segunda-feira, 27 de janeiro de 2014

Les Arbres Pleurent Aussi



É um castanheiro. Tem consciência da sua importância  numa grande cidade poluída e barulhenta. Sabe que é ele o primeiro a anunciar a chegada da Primavera. À sua volta, na sua  sombra, há sempre crianças, jovens, velhos, namorados, pássaros... porque a todos tem algo para dar.


Há cerca de 150 anos que vive num jardim, atrás da casa com o número 263, no Canal do Imperador, em Amesterdão. Agora está doente, a morrer lentamente.


Sabe que, em breve, os homens se encarregarão de o abater... Por isso, quer contar o que se passou, há muito tempo, nessa casa com o número 263.


Eu, o castanheiro do jardim da casa 263, do Canal do Imperador, dei a uma jovem rapariga de treze anos, prisioneira como um pássaro na gaiola, um pouco de esperança e de beleza. A ela que, no seu esconderijo, sonhava sentir no  rosto o ar gelado, o calor do sol e o toque do vento, dei-lhe, através das minhas metamorfoses, o espectáculo das estações.


Foi há mais de sessenta anos que um mal terrível invadiu o mundo. Tudo se tornou proibido para aqueles que, como ela, eram judeus. 
Proibido de... Proibido de... Proibido de... Até que um dia: Proibido de existir. E foi nesse momento que ela, a sua família e alguns amigos entraram na clandestinidade e se esconderam no anexo da casa 263.


Chamava-se Anne Frank e trazia consigo um pequeno diário, prenda que recebera quando completara 13 anos,  a 12 Junho de 1942. O castanheiro viu-a chegar, nessa caminhada à chuva que seria a última que faria em liberdade. No casaco, a estrela amarela...


O que sonhava ela quando, pela pequena janela do sótão, me olhava, com Peter, o seu amigo?
Quarta-feira, 23 de Fevereiro de 1944, Anne escreveu no seu diário:
Do meu lugar favorito no chão vejo um pedaço de céu azul e o castanheiro sem folhas, em cujos ramos cintilam gotinhas, e vejo as gaivotas que, no seu voo planado, parecem de prata.
Noutra parte do diário de Anne Frank podemos ler:
O nosso castanheiro está todo florido;
de alto a baixo, ele está carregadinho de folhas e muito mais bonito que no ano passado.
Terça-feira, 18 de Abril 1944:
Depois de um Inverno irregular veio uma Primavera estupenda, um Abril magnífico, nem quente nem frio, e só de vez em quando uma chuvada. O nosso castanheiro já está verde e vêem-se, aqui e acolá, nascerem-lhe pequenos cachos de flores.


4 Agosto 1944, um belo dia de verão, quente e ensolarado. Por volta das 11 h 30m, bruscamente, um carro parou na frente da casa 263. Tinham sido denunciados à polícia alemã. Foi uma amiga de Anne que viria a encontrar o seu diário. Anne tinha escrito a última página a 1 de Agosto.

Anne Frank morreu no campo de concentração de Bergen-Belsen em 1945.

Brevemente serei, talvez, abatido(...) Antes de me deitarem abaixo, os homens certamente farão um enxerto para plantar no lugar que deixo vago. Um duplo, um gémeo, que crescerá depois das suas raízes escavarem a terra. Mas só a memória de Anne lhe dará verdadeiramente o meu lugar no jardim do número 263 do Canal do Império.


Les Arbres Pleurent Aussi foi escrito por Irène Cohen-Janca e ilustrado por Maurízio A.C.Quarello. (Tradução dos Hipopómatos).

Porque as árvores também choram. 27 Janeiro, Dia Internacional em Memória das Vítimas do Holocausto.


terça-feira, 21 de janeiro de 2014

O Último Conto

Não conseguíamos resistir à tentação de viver, por alguns minutos, o tempo infinito da fantasia.
Também nós, leitores, não resistimos ao misterioso encanto deste livro, escrito por Rodolfo Castro, ilustrado pelo mexicano Enrique Torralba e editado pela Gatafunho.

Jacinto era um bom contador de histórias. A sua voz equilibrava-se entre a serenidade e a fúria.
A final como o escritor,  ele próprio, um bom contador de histórias!

Numa simbiose perfeita, o texto de Rodolfo Castro e as magistrais ilustrações de Torralba, transportam-nos numa viagem enigmática ao universo dos contos. Uma viagem feita de sonhos e de memórias, onde o imaginário e o real tantas vezes se fundem, revelando a alma do contador.

Um olhar introspectivo parece abrir-nos a porta e guiar-nos pelos  caminhos que levam até Jacinto.  

Dele se dizia sempre ter estado ali. Apenas os contos seriam anteriores a ele. E havia ainda quem afirmasse que a árvore, as casas e tudo o resto só existiam porque Jacinto as narrava.
Todos acreditavam que os seus contos seriam escutados para sempre

No seu conto, Jacinto tinha uma porta com sete fechaduras, pela qual só se poderia passar uma única vez...  O Último Conto faz-nos acreditar  na infinitude do que se repete e na grandeza do que se transmite.

De Rodolfo Castro  diz-se que nasceu na Argentina e está em Portugal há cerca de quatro anos. A nós,  parece-nos que sempre cá esteve. Anterior a ele, só mesmo os contos que lhe escutaremos para sempre.


sexta-feira, 17 de janeiro de 2014

Ilustrarte 2014

Está aberta a Ilustrarte 2014!


Este ano, as ilustrações moram em coloridos blocos gigantes feitos de espuma! Para além do sóbrio efeito estético, que confessamos ter gostado, a fórmula encontrada permite-nos uma  magnífica e fácil visibilidade dos trabalhos expostos. Oh, e não resistimos a baixar-nos várias vezes, depois de termos descoberto a insonorização que proporcionam! 

Ontem, no momento da inauguração, foi assim..
José Jorge Letria é, este ano, o escritor homenajeado. Como habitualmente, há uma exposição retrospectiva do trabalho de um ilustrador. A Martin Jarrie sucede agora a italiana Chiara Carrer, uma ilustradora com lugar cativo nos Hipopómatos. Podem ver aqui.


A alemã Johanna Benz, vencedora desta edição, tentando a língua portuguesa... e o riso de Ana Ventura, uma dos seis ilustradores portugueses seleccionados.


Danuta Wojciechowska e Pierre Pratt, um dos 50 ilustradores seleccionados num universo de 2000.

Joana Paz e a nossa Catarina Correia Marques. 

Deixamos aqui um pedacinho do muito que há para ver! Já sabem que é imperdível, obrigatória! Levem as crianças, levem toda a gente!


Aproveitem o fim de semana. Há muitas formas de chegar ao Museu da Electricidade... É preciso é ir!



terça-feira, 14 de janeiro de 2014

BOA NOITE, MOCHO!


Um passeio pelo campo, o prazer de escutar alguns dos seus habitantes... e, no regresso, a casa fica cheia de cucos,  corvos, pintarroxos e outros que tais. Com efeito, durante dias e dias, a criançada imita e repete vezes sem conta os sons da bicharada que habita em Boa Noite, Mocho


A aparente simplicidade da história é atestada pela existência de uma única árvore como cenário onde se desenrola toda a acção. Mas é uma árvore onde nos apetece ficar todos, pequenos e grandes leitores! 



É nela que o Mocho se prepara para dormir quando abelhas, esquilos, pardais e muitos mais começam a chegar... Página a página, os ramos vão sendo ocupados e a árvore vai ficando cada vez  mais preenchida, cheia de vida e de habitantes que nos são familiares.

Os olhos do Mocho alertam os mais distraídos para o lado da árvore em que se instalam os recém-chegados.

Alheios à vontade do Mocho de iniciar o seu sono (dormir de dia não é tarefa fácil...), em cima da árvore cada um parece ter a sua missão. A pequenada vai ouvindo e, algum tempo depois, todos sabem zumbir, grasnar, chilrear, arrulhar...


À medida que vamos lendo a história,  parecemos ficar contagiados pelo  desejo de manter o Mocho acordado... Os mais pequenos não resistem, como não resistem igualmente a uma boa gargalhada no final. 


Ao ritmo de uma onomatopeia por página, quase sem darmos por isso, o conto transforma-se em canto. O fenómeno da repetição, tão do agrado dos pré-leitores, conduz a um jogo de memória revelador de que ninguém perdeu pitada...


Pat Hutchins é uma autora que persiste em encantar-nos com histórias que, envoltas numa aparente simplicidade, se revelam de uma excepcional criatividade. Impossível esquecer O Passeio da Dona Rosa, igualmente editado entre nós pela Kalandraka.



Oh, gostámos tanto que nos aventurámos a procurar mais alguns habitantes para a árvore. Desculpa, Mocho!