terça-feira, 10 de março de 2015

Ainda o Fascinante Mundo de Komako Sakai


É considerada por muitos uma das histórias mais amadas de sempre.  Há mesmo quem compare  The Velveteen Rabbit ao Principezinho de Saint-Exupéry. Quase cem anos volvidos sobre a sua publicação, datada de 1922,  a história escrita pela britânica Margery Williams continua a emocionar e a encantar gerações de leitores. 
É uma história sem tempo, que já conheceu múltiplas versões e adaptações. Nos anos 60,  Maurice Sendak não resistiu a ilustrá-la. O resultado parece fabuloso. Podem ver no brain pickings, um site de referência.



Komako Sakai, a autora japonesa de quem temos falado, brindou-nos recentemente com a sua versão, baseada no original de Margery Williams. O livro foi publicado em 2012, pela Enchanted Lion Books, uma editora americana com um catálogo invejável. 
Ainda que numa versão mais reduzida e soft do texto, a beleza das ilustrações de Sakai transporta-nos, vezes sem conta, para o universo mágico do clássico de Williams. E, acima de tudo, mostra-nos como ele continua tão actual. 




The Velveteen Rabbit é uma história onde o imaginário e o real se unem, fazendo-nos imergir num universo mágico e poético. Um coelho de peluche é oferecido a um pequeno rapaz como prenda de natal. Apesar de "amor à primeira vista", o encantamento do pequeno não dura muito, uma vez que o objecto do seu interesse se vai diversificando à medida que recebe outras prendas.


Esquecido, o coelho vê-se relegado para uma prateleira, onde recebe a companhia de muitos outros brinquedos com idêntico destino. Entre eles, há um tema recorrente que lhe escapa ao entendimento: saber quem é ou não real. 



Refira-se que, na versão original, o momento acaba por revelar-se bem mais duro, com o coelho a ser alvo da arrogância dos brinquedos mais sofisticados e desenvolvidos tecnologicamente. Mas é também aqui que o coelho encontra o seu primeiro grande amigo, o cavalo de madeira. É o mais antigo por ali e a sabedoria que possui é evidenciada quando explica ao coelho o significado de Real.



É inesquecível o diálogo entre ambos. Transcrevemos um excerto  da versão original:
"What is REAL?" asked the Rabbit one day, when they were lying side by side near the nursery fender, before Nana came to tidy the room
"Does it mean having things that buzz inside you and a stick-out handle?"
"Real isn't how you are made,"
said the Skin Horse. "It's a thing that happens to you. When a child loves you for a long, long time, not just to play with, but REALLY loves you, then you become Real."



A sorte do coelho acaba por mudar numa noite em que o habitual companheiro do rapaz não é encontrado. Com o amor do rapaz chegam os dias felizes. Tornam-se inseparáveis. 


Uma história carregada de ternura e de sensibilidade, que Komako ilustra de forma magistral. Sentimos os abraços do rapaz e a confiança do pequeno coelho no amor que recebe. 


Confiança que se mantém mesmo depois do encontro com dois coelhos reais, a quem nota a ausência das costuras, e a quem ouve o veredicto de que não pertence ao mundo real. 


A sorte volta a mudar no dia em que o rapaz fica doente e o médico exige uma desinfecção total do quarto, nela incluindo aquela "massa de germes".


A história tem um final digno de um conto de fadas. O coelho de peluche, que no seu livro Komako distingue com a cor verde dos olhos,  transforma-se num coelho real. Um dia, o reencontro com o rapaz acaba por acontecer. E, como sempre acontece com o que é real, a vida continua para além dele.  


Para quem não conheça a história, pode sempre ler aqui a versão original. 


                                           
Hannah's Night, o último livro de Komako Sakai, 
foi publicado em 2013, pela Gecko Press.




Komako volta a surpreender, tanto pela simplicidade  e delicadeza da história, como pelo magnífico trabalho de ilustração. 


Como já nos habituou, utiliza as imagens e frases curtas para contar situações passíveis de serem vivenciadas por qualquer criança.


Hannah acorda a meio da noite, quando todos dormem lá em casa. Perante as tentativas goradas de acordar a irmã e o sono profundo dos pais, inicia uma deambulação pela casa, na companhia do  bichano Shiro.  


A calma e o silêncio reinantes são retratados por Komako com uma força inigualável através das manchas de azul que escolheu para invocar a noite e o escuro. As texturas fortes, onde se misturam várias camadas de azul, evidenciam simultaneamente a delicadeza dos genuínos gestos e a intimidade do momento.


Uma história centrada nas inocentes, mas determinadas, escolhas que Hannah acaba por fazer na ausência dos prováveis limites que os pais ou a irmã mais velha lhe imporiam. 






A tentação das cerejas, as risotas que pode dar ou os brinquedos da irmã de que pode agora desfrutar... Na intimidade da noite, Hannah revela, afinal, algo que nos é  bem familiar: a afirmação de si própria reflectida em pequenas doses de independência. 



Cada gesto da pequena Hannah parece tão real quanto mágico. Komako revela um profundo conhecimento  do mundo interior das crianças, conseguindo através das ilustrações, com predominância dos jogos de sombras,  transmitir  pensamentos e  sentimentos, como se estivessem envoltos numa película transparente. 


Antes do sono chegar, Hannah observa a beleza da noite e o que ela tem para oferecer. É lá que encontra a pomba mais bonita que alguma vez viu.


Nós observamos os livros de Komako Sakai e continuamos à espera que eles cheguem por aí! Pode ser à noite...


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